Faltam menos de duas semanas para terminar 2020, um ano pra nunca esquecer.
Vivemos a experiência de uma pandemia global. Sofremos perdas. Estivemos fisicamente mais distantes uns dos outros. Vimos o desemprego disparar e muitas famílias e negócios em apuros. Uma sociedade fragmentada por fanatismos divergentes, como se política fosse futebol, no momento em que mais precisávamos nos unir pelo bem comum. Muita incerteza e, consequentemente, desinformação pautando discussões acaloradas e, quase sempre, rasas e improdutivas.
Para a humanidade, definitivamente 2020 não foi um ano bom.
Apesar desse contexto difícil, quando faço o exercício de colocar uma lupa sobre a minha vida apenas, o que percebo é que foi um ano muito bom pra mim. Um ano pra nunca esquecer, mas num sentido positivo.
Com um pouquinho de culpa pelo egoísmo de estar comemorando minhas conquistas individuais quando o mundo inteiro continua um caos, vou registrar aqui algumas experiências que fizeram de 2020 um ano de virada pra mim1.
Quando o imprevistos melhoram o plano
Abril de 2020 foi o mês que escolhi pra começar um gap year e dar uma redirecionada nos meus rumos profissionais. Eu já vinha há um tempo colecionando algumas ideias e cultivando interesses específicos. Planejei um 2020 cheio de experiências diferentes de estudo, pesquisa, projetos aplicados e trabalho voluntário. Experiências que me ajudassem a aprender mais sobre como tomamos decisões e nos comportamos, em especial na esfera financeira, e como esse conhecimento poderia ser aplicado por organizações para gerar mais valor para as pessoas (o que, na minha cabeça, é a única forma sustentável de gerar valor a longo prazo para as próprias organizações).
Então veio a pandemia, e algumas das experiências planejadas foram de ralo instantaneamente. Não pude viajar para fazer alguns cursos e não pude frequentar o laboratório de pesquisa, por exemplo. Diante das restrições, comecei a explorar novas possibilidades e expandir o escopo do meu plano.
Mesmo sem sair de casa, eu vivi tanta coisa, aprendi tanto, conheci tantas pessoas… De algum modo, minha sensação é que esse mundo conectado remotamente na verdade encurtou as distâncias e aproximou muita coisa de mim.
Em meio a tanta incerteza, consegui transformar o meu plano de gap year em um plano de transição de carreira. A volatilidade do momento presente acabou abrindo espaço para que eu pudesse explorar e entender com um pouco mais de certeza o que quero para o meu futuro.
Vou listar algumas experiências que marcaram meu 2020, embora em alguns momentos eu seja pouco específica — alguns das coisas mais bacanas não posso compartilhar abertamente, por envolver NDAs, outras pessoas e instituições, e não serem temas públicos.
Em 2020, eu…
1. Pedi demissão e coloquei em prática um plano de gap year, que transformei em uma transição de carreira;
2. Estudei Behavioral Design com o Behavioral Economics Bootcamp do Irrational Labs, onde aprendi a metodologia usada por nudge units de grandes empresas como Google e Uber, troquei experiências com colegas de diversos países e (cereja do bolo, haha) recebi um diploma assinado pelo Dan Ariely;
3. Estruturei a partir do zero e conduzi com uma fintech um projeto de aplicação para mudança de comportamento utilizando a metodologia 3Bs que aprendi com o Irrational Labs. E não fui nessa sozinha, não. Tive o prazer de contar com um baita parceiro ao meu lado nesse projeto;
4. Me juntei ao time da InBehavior Lab, a consultoria de ciências comportamentais que é referência no país, para um projeto, que então rendeu um convite para outro, e depois outro, e agora mais outro — e sobre os projetos não posso falar muito, embora tenha aprendido, suado a camisa, e curta bastante essas experiências endereçando desafios reais de negócios de grandes instituições financeiras;
5. Do design experimental à análise de resultados, passando pela implementação, desenvolvi do zero uma intervenção baseada em insights comportamentais dentro de um contexto bem específico. Contei com a fundamental ajuda e conhecimentos de outras pessoas;
6. Tive a sorte de conseguir, em plena pandemia, ir passar um mês morando em Copenhagen, onde tive uma experiência de estudos desafiadora: um summer course de Behavioral and Experimental Economics, com um professor super qualificado e uma turma de estudantes de PhD e Mestrado onde eu era a única não-economista;
7. Ainda sobre a experiência de Copenhagen, participei de experimentos de tomada de decisão em laboratório, estudei dezenas de papers, analisei dados e me virei pra aprender conceitos de economia que não conhecia. Tive interações difíceis em grupo, lidei com uma cultura diferente, e passei com uma nota equivalente a 8,5 na prova de fim de curso — maior que a de vários colegas economistas, e se eu tô contando essa vantagem aqui é só porque fiquei muito orgulhosa do meu esforço;
8. Assumi mais responsabilidades como voluntária da Multiplicando Sonhos, uma associação sem fins lucrativos que leva educação financeira a jovens de escolas públicas (como eu fui um dia);
9. Essas responsabilidades estão convergindo com meus interesses profissionais e vão me permitir realizar um sonho: tocar, com a ajuda de muitos braços e cérebros, uma pesquisa longitudinal com validade científica, que permita entender o impacto do trabalho da associação na mudança de comportamento por meio de diversas variáveis ao longo de muitos anos, quem sabe décadas;
10. Fui convidada para dar duas aulas, sobre público-alvo como alavanca e psicologia da persuasão, no curso de Product Growth da PM3. Preparei o material do zero com um super cuidado e já estou ansiosa pra ver o curso ser lançado e receber um feedback dos alunos;
11. Conversei — conversei muito! — com pessoas e empresas para trocar experiências e conhecimento, sendo a maioria completamente desconhecidos. Minha filosofia na hora de chamar o pessoal pra bater um papo era: o “não” eu já tenho. Felizmente, ouvi muito mais o “sim”. E devo agradecer a muitos amigos que fizeram pontes importantes. Disse muito “sim” também a diversas pessoas que se identificaram com meu movimento de carreira e pediram pra trocar ideias;
12. Mais recentemente, conheci uma turma incrível que tá desenvolvendo um produto pelo qual já estou apaixonada, pelo potencial que tem de mudança comportamental (e de perspectiva de vida) com um público altamente negligenciado. Tô pertinho deles, contribuindo de alguma forma com meu conhecimento para ajudar na missão que eles têm pela frente;
13. Li muitos livros (porém menos do que eu gostaria), participei de meetings e congressos de diversos países, transmitidos pela internet (olha aí um a externalidade da pandemia que acabou sendo positiva pra muitos de nós), li muitos papers e conteúdos diversos (e essa é uma externalidade positiva desse mundo tão sobrecarregado de informação que às vezes me sufoca) e passei a acompanhar uma galera esperta — pesquisadores, think tanks e profissionais — que estão pensando as ciências comportamentais aplicadas no mundo hoje e são fonte de inspiração pra mim;
14. Fiz os cursos de Psicologia Econômica e Arquitetura de Escolha da Prof. Vera Rita de Mello Ferreira, a maior autoridade em psicologia econômica no Brasil;
15. Fiz o curso de Planejamento Financeiro Pessoal da Associação Planejar, e descobri que tem muito, mais muito espaço pra transformar esse conceito em algo mais próximo da realidade das pessoas;
16. Ajudei a estruturar e conduzir um workshop na Semana da Inovação 2020, o maior evento de inovação pública da América Latina, onde um grupo de pessoas interessadas em políticas públicas se reuniu pra buscar soluções pra aumentar o engajamento de alunos de escolas públicas a partir de insights comportamentais;
17. Estudei as maneiras diferentes como diversos bancos convidaram seus clientes a tomar a decisão de cadastrar chaves Pix e fiz um post despretensioso sobre arquitetura de escolha no LinkedIn que acabou alcançando mais de 35 mil pessoas e levantando uma discussão importante sobre nudging;
18. Continuei escrevendo meus textos por aí, produzindo conteúdo, seja para este blog (que, convenhamos, andou meio parado), para o LinkedIn, minha coluna no site Estilo Ao Meu Redor ou para o EconomiaComportamental.org. Também participei de quatro lives;
19. Finalizei remotamente, com aulas online ao vivo, as quatro disciplinas do último semestre da pós-graduação, incluindo a minha preferida, Neuroeconomia. Agora ainda falta o trabalho final, e as ideias já estão fervilhando na minha cabeça;
20. Tomei uma decisão importante sobre um próximo passo na minha carreira, mas vamos deixar essa parte pra falar por aqui em 2021.
Por trás disso tem muita gente envolvida. Agradeço demais a todos que vêm me ajudando de diversas formas nessa aventura! Obrigada por cada conversa, cada dica, opinião, conselho e feedback.
Estou muito empolgada e orgulhosa de tudo que rolou em 2020, mas mais empolgada ainda com tudo que vem pela frente. A melhor parte é imaginar que esse é só o comecinho.
Apesar de por conta da pandemia estar dentro de casa quase sempre, a verdade é que nenhum dia de 2020, nenhum dia mesmo, foi igual ao outro.
Já acabou de ler?
Ah, vou falar uma coisa aqui que não é muito importante não, coloquei no finalzinho pra não fugir muito do escopo do texto. Mas a verdade é que a nossa vida é uma coisa só, apesar de a gente tentar setorizar em trabalho, estudos, lazer etc. Então, enquanto escrevia o texto, fui me lembrando de várias outras coisas que rolaram neste ano de 2020. Algumas vão ficar guardadas comigo, mas outras vou compartilhar aqui.
Percebi o quanto Vitor e Nutella são boas companhias e me senti ainda mais grata por passarmos tempo de qualidade juntos e sabermos respeitar nossos espaços. Tomei gosto por cozinhar (o que não significa que eu cozinhe com frequência). Continuei fiel à minha tara (underrated para a maioria) de tomar café da manhã — e mantive meu hábito inventando coisas em casa, já que não deu muito pra sair pra lugares legais. Fiz aulas de surf quando passei uma semana numa praia bem vazia (sempre tive essa vontade). Voltei a tocar bateria. Assisti a série Friends inteira e na ordem, pela primeira vez (pra ser justa, tinha começado no ano passado) e fiquei viciada na série Outlander, depois de quase desistir no primeiro episódio (e embora o meu “vício” geralmente signifique assistir apenas a 10 ou 15 minutos por vez). Ajudei alguns amigos a se organizarem melhor com dinheiro compartilhando a forma como eu faço, o que foi bem legal, embora eu sinta que deva fazer isso com muito mais frequência. Tomei umas surras aprendendo a organizar meu tempo em tarefas tão diversas. Abandonei finalmente minha agenda de papel (mas ainda uso papel pra journaling e anotações). Desenvolvi uma relação de dependência com Google Calendar, Notion, Toggl e Todoist. Postei muitas “fotos” de videoconferências e às vezes tive fadiga mental pelo excesso de videoconferências (é zoom fatigue que fala, né?). Apliquei self-nudges pra mudar meu próprio comportamento, principalmente em relação a meditar, passar menos tempo nas redes sociais e me alimentar com menos coisas engordativas (pois é, a segunda frase do parágrafo tem uma relação de causalidade com esta última).
1 Apesar do balanço final positivo, o ano também me trouxe algumas chulapadas na vida pessoal. Perdi uma avó em abril, e fico triste com o sofrimento da minha mãe e minhas tias, que ainda vivem o luto. Estive longe da família e de amigos queridos a maior parte do tempo. Gerenciei sentimentos conflitantes, emoções intensas, altos e baixos, frustrações, vontades não atendidas. Mas, sabe, gosto de olhar as coisas pelo lado positivo. Mesmo as dificuldades, no fundo, acabam trazendo importantes aprendizados.